domingo, 9 de fevereiro de 2014

A evolução do processo de adoecimento sob o olhar dos cuidados paliativos.

O processo de adoecimento vem tendo diferentes visões e proporções no decorrer do desenvolvimento das ações de assistência e promoção da saúde, além-claro, de vir passando por mudanças culturais dentro das sociedades. Antigamente, o adoecimento era limitado às questões físicas, corporais, onde o sujeito era visto como aquele que adentrava ao processo de finitude de sua vida, fato verificado por conta da pouca expectativa de vida que era conferida nos séculos passados, principalmente pela falta de condições básicas de manutenção da saúde, como o saneamento básico, a disponibilidade de uma alimentação mais equilibrada, além de serviços de saúde mais acessíveis, com infraestrutura e qualidade.

Fonte: http://claudinhaudi18.files.wordpress.com
Este processo, marcado pela aproximação da finitude, era focado em amenizar as queixas físicas do paciente, principalmente com relação à dor, alimentação e eliminações. No entanto, este cuidado não era encarado em sua magnitude, ficando algumas questões em segundo plano, como a atenção psicossocial ao paciente, à família e também aos profissionais de saúde que estão envolvidos no cuidado. Além disso, o ambiente também era pouco explorado e estudado, o que também contribuía para a piora deste paciente.
Com o passar dos anos, a visão sobre as questões do adoecimento mudaram de modo mais expressivo, mas ainda sob um olhar mais hospitalocêntrico, medicalizado; porém, vale destacar algumas variáveis que vinham se perdendo com o avanço tecnológico e que agora voltam a ser mais exploradas e reincorporadas ao cuidado, como por exemplo, a reaproximação da família junto à assistência deste paciente, passando a dividir uma série de cuidados com aos profissionais de saúde e também a assumir o cuidado integral no ambiente domiciliar, sendo também assistida pelos profissionais, sob os cuidados das visitas domiciliares.
Seguindo a cronologia das mudanças e avanços na interpretação do processo do adoecimento, temos a criação dos Cuidados Paliativos, na década de 1960, tendo a filosofia aperfeiçoado as práticas de cuidado de enfermos acometidos por doenças ameaçadoras da vida ou que não possuem mais condições de mudança de seu curso. Destaque-se dos princípios dos Cuidados Paliativos a mudança neste conceito de adoecimento, que vem sendo discutido no texto, dando um olhar mais amplo, complexo, holístico, explorando a resolução das pendências familiares, profissionais e claro, do próprio paciente. O conceito de "unidade de cuidado" desenvolvido pelos Cuidados Paliativos atribui inovação ao modo como se interpreta o processo do adoecimento, sendo um referencial em termos de atenção integral aos cuidados do paciente, família e profissionais de saúde envolvidos.
A unidade de cuidado é mantida sob esta tríade, atribuindo novos papéis a cada agente citado. Além disso, passa a incorporar novos conceitos e contextos ao processo de adoecimento, acrescentando soluções para as mais diversas situações e somando à qualidade de vida do paciente e sua família.
O processo do adoecimento incorporou novos conceitos, como as redefinições de corpo e doença. Para o paciente, o corpo é o meio de realização de seus desejos, que quando doente, passa a limitá-lo a tais conquistas, gerando a sensação de vulnerabilidade; além disso, há a sensação de não pertencer a si mesmo, como se tivesse perdido o controle sobre seu componente físico e estivesse sem meios para a concretização de suas vontades. Esta percepção gera muita frustração, raiva e impotência, uma vez que o enfermo, antes sujeito de suas ações, agora passa a ser "paciente", necessitando da atenção e dos cuidados da família, profissionais e comunidade como um todo. Além da frustração, a doença promove o medo pela possibilidade da morte, que é fator intrínseco neste paciente, o que leva uma perda esporádica ou definitiva dos interesses e objetivos de vida. Este paciente desenvolve a chamada "ferida narcísica", que corresponde ao fato do sujeito não enxergar melhora ou possibilidades para tal, uma vez que seu ego está ferido, pela impossibilidade de, em certo grau, não poder responder por si em algumas circunstâncias, devido às limitações impostas pela doença. Diante disso, o paciente fica resistente e incrédulo com sua situação, podendo desencadear outros acometimentos, como a depressão, a ansiedade, entre outros.
Assim, temos que o processo do adoecimento é cercado de reações, sentimentos e emoções, necessitando também de atenção, não só para o paciente, mas como para toda a unidade de cuidado. É importante salientar que as ameaças e frustrações citadas no parágrafo anterior também se incluem para a família, por conta da perda de perspectiva e impossibilidade de acompanhar o crescimento e futuro daquele ente, bem como para o profissional que pode se frustrar ou se sentir impotente frente ao sofrimento.
Falando um pouco sobre como a doença é vista, se tem que ela atinge a subjetividade do sujeito e família, ou seja, é capaz de descaracterizar o paciente frente ao seu papel dentro da família e comunidade, sendo que o mesmo passa a se ver como incapaz de executar suas ações seja como o pai provedor, a mãe que cuida dos filhos, o irmão mais velho que se considera exemplo aos demais, etc. Além disso, a doença promove várias limitações ao sujeito, que passa a evitar determinadas situações, onde se julga mais exposto, para evitar constrangimentos, tendo como consequência de tal atitude, o isolamento social.
A doença avançada leva a vários sofrimentos e estes, por sua vez, desencadeiam uma série de preocupações aos pacientes, tendo destaque o pedido de perdão diante das desavenças e intempéries que ocorreram no passado, a impossibilidade de falar com o médico antes da morte e o medo de morrer sozinhos, entre outras.
As características citadas são comuns no ambiente domiciliar, junto à família e visitas domiciliares dos profissionais de saúde. Já no contexto da hospitalização, temos uma batalha firmada neste processo de saúde-doença, pois o hospital é visto como um retrocesso em termos de evolução da doença, encarado como um dos leitos de morte, uma vez que a maioria das mortes, atualmente, ocorrem no hospital. A partir do momento que o paciente é hospitalizado, as mesmas características de despersonalização, limitação e afastamento social são evidenciadas, porém, ocorrem de modo mais expressivo, uma vez que o enfermo não se encontra em seu ambiente natural, junto à família, com conforto e privacidade, sendo um fator que contribui para deprimir o humor deste paciente. É importante frisar que o modo como enfrentam a hospitalização influencia em seu processo de reabilitação e interfere no decorrer da estabilização do quadro.
A participação da família junto ao cuidado durante a hospitalização é fundamental, uma vez que consiste em um dos elos para se estabelecer as relações de confiança do cuidar entre ela, a equipe de saúde e o paciente. Esta presença familiar promove impactos positivos no processo de recuperação do paciente, contribuindo para definir um ambiente protetor, o que ajuda num melhor enfrentamento da situação. Além da presença, a família também divide o cuidado no contexto hospitalar, favorecendo o dinamismo na rede de suporte, o que evita a sobrecarga de trabalho dos profissionais de saúde.

Fonte: http://1.bp.blogspot.com
Pensando neste envolvimento familiar, vale frisar que a família também faz parte da unidade de cuidado e que necessita de atenção especial para seguir firme diante do processo de adoecimento, o qual é bastante complexo e exigente com estes cuidadores. A grande consequência é a sobrecarga de trabalho e a labilidade emocional que o estresse proporciona, devendo esta família receber todo o tipo de apoio, enfatizando-se o papel das redes de suporte, que devem acolher a família, proporcionando conforto e apoio. Os responsáveis por tais tarefas geralmente são os próprios profissionais de saúde, parentes, amigos, vizinhos e demais conhecidos.
Resumindo, o processo de adoecimento, sob a ótica dos cuidados paliativos, é visto como um amplo e complexo contexto, marcado pela necessidade de atenção e assistência de toda a unidade de cuidado, ou seja, paciente, família e profissionais de saúde precisam trabalhar as dimensões físicas, mentais, espirituais e sociais, a fim de proporcionar conforto e qualidade de vida a todos os envolvidos na assistência à saúde do sujeito.

REFERÊNCIAS



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