sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Falando de Bioética...


Iniciemos uma aproximação reflexiva ao filme Mar Adentro, obra de arte provocativa, que pela dramaticidade incomoda e faz pensar. O título evoca o poema de amor Os Sonhos, escrito por Ramon Sampedro, cuja vida é retratada no filme: a história verídica desse jovem marinheiro espanhol que aos 25 anos ficou tetraplégico após trágico mergulho no mar da costa da Galícia. Ao pular na água projetando-se de um rochedo, no momento em que a maré havia baixado, comprometeu irreversivelmente a coluna vertebral devido ao choque da cabeça contra a areia. Após o acidente Ramon viveu praticamente 29 anos (28 anos, 4 meses e alguns dias), sempre com a determinação férrea de terminar sua vida, lutando convictamente na Justiça pelo direito de morrer. Seu caso foi levado aos tribunais em 1993, numa tentativa para conseguir a legalidade da eutanásia na Espanha, mas o pedido foi negado.
PESSINI, 2008
A partir deste filme, decidimos então discutir sobre seguintes os princípios da bioética: autonomia, justiça, beneficência.
O primeiro ponto da bioética que pode ser observado na vida de Ramón é o desrespeito à autonomia que pelo andamento da história não foi considerada, visto que Ramon não tinha o direito de decidir quanto ao seu futuro e sua vontade de morrer não foi respeitada.
A grande questão abordada no filme é a eutanásia. Questionamentos importantes que aparecem são: de quem é o direito de decidir sobre a continuidade da vida? Até que ponto a autonomia da pessoa deve ser levada em consideração, independentemente do seu estado de saúde? Somos livres para exercer a liberdade em proveito da vida e não a serviço da morte? Liberdade que elimina uma vida não é uma liberdade? E uma vida que elimina a liberdade não é vida? Viver é um direito e não uma obrigação. A advogada o questiona sobre o porquê viver? E ele responde que, para ele, a vida no estado em que ele se encontrava não valia a pena.
Apesar de o paciente ter essa decisão quanto à morte, ele é visitado frequentemente por amigos, que o entendem e, inclusive o apoiam na sua decisão. Ele consola pessoas que o vão visitar. Isso mostra que racionalmente ele entendeu e decidiu o futuro que ele queria para a vida dele, não mostrando um estado de depressão. Ele apresentava-se com um bom senso de humor.
Podemos então pensar que o filme apontou a incoerência do estado laico utilizando um argumento metafísico diante da moral religiosa, bem como o fato de não oferecer suporte (tanto financeiro, social, quanto em questões relacionadas à saúde) ao Ramom e seus familiares. Pode-se questionar se o Estado foi injusto ao desprover essa unidade de cuidado dos seus direitos ou quem sabe de uma assistência diante da dificuldade social e financeira? Isso pode ser um fator que o levou a considerar a decisão de morrer, pois o Ramom, ao não poder ajudar em nada, e ao perceber a dificuldade da família em levar a vida, se sentia um peso.
Do ponto de vista dos familiares, pode-se observar que o pai era neutro em relação ao posicionamento do filho, a cunhada e o sobrinho, que mais o ajudavam, o apoiavam e apenas o irmão era contra. Apenas o irmão não o ajudou a conquistar a mudança da lei de que ele precisava para conseguir o direito ao suicídio assistido. Será que respeitar a vontade de o paciente querer morrer, considerando que para ele, isso era bom, não pode ser considerada a beneficência?
No filme aparece a questão: um tetraplégico não pode amar? Isso aparece quando ele conta à advogada que ele terminou com sua noiva quando sofreu o acidente. Posteriormente no filme ele declara várias vezes que a pessoa que o ama seria aquela que o ajudaria a morrer. De fato, ele encontrou o amor ao passar tempo junto com sua advogada e ao descobrir uma identificação com ela quanto à vontade de morrer. Depois ele corresponde ao amor da Rosa, quando ela decide que o vai ajudar no seu projeto. Esse ponto mostra quais impactos negativos um acidente como esse gera e como a falta de amor pode deixar uma pessoa nesse estado ainda mais vulnerável.
Portanto, o grupo achou o filme muito intrigante, e independentemente do posicionamento a favor, ou contra a eutanásia, o importante foi refletir nos aspectos que levam determinada pessoa a tomar uma decisão, por mais que para a gente a decisão não faça sentido. Isso se traduziu na forma como montamos o trabalho: discutimos, sem decidir firmemente quanto ao tema.

Referências
AMENÁBAR, A. Mar Adentro. [Filme-vídeo]. Produção de Alejandro Amenábar e Fernando Bovaira, direção Alejandro Amenábar, Espanha, 2004. 125 min, color. Som.
Kipper, D. J. Uma Introdução à Bioética. Temas de Pediatria Nestlé, n.73, 2002. p. 12-19.

PESSINI, L. Morte, solução de vida? Uma leitura bioética do filme Mar Adentro. Revista Bioética, 2008 v.16, p. 51 – 60.

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